FamTour inaugura o Circuito de Cicloturismo Acolhida na Colônia

por Fernando Angeoletto
Via de regra, agricultores familiares que vivem em locais de difícil acesso tem poucas opções. Ou submetem-se a uma atividade famigerada, como a fumicultura, ou abandonam suas terras para servir de mão de obra barata nas cidades.

Valnério Assing, de Santa Rosa de Lima, já esteve prestes a embarcar nesta última opção. No início dos anos 90, as oscilações econômicas derrubaram seus investimentos na avicultura. De intoxicar-se na fumicultura, em troca de míseros rendimentos, já não agüentava mais. Graças aos 2 filhos pequenos não abandonou a terra: a oferta para trabalhar de caseiro no litoral paulista foi sedutora, mas não eram aceitos casais com filhos.

A mudança definitiva nesta região começou no ano de 1996. Com a fundação da AGRECO, o modelo cooperativo de produção e industrialização de produtos orgânicos decolou. De olho no sucesso, muitos técnicos e estudiosos começaram a visitar a região. Era a deixa inicial para a criação de um projeto turístico integrado ao território.

A Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia surgiu em 1998, inspirada na Accueil Paysan francesa. A ideia básica era que a autenticidade do modo de vida rural tinha muito valor para os visitantes urbanos. Acreditava-se que com poucos investimentos, bastando organizar as acomodações e divulgar a iniciativa, poderiam ser atraídos os turistas. E o que é melhor: a produção orgânica das propriedades, já bem desenvolvida, seria consumida no próprio local, configurando-se não apenas como meras refeições, mas como um dos mais fortes atrativos.

Com este modelo a Acolhida cresceu e, dos 2 municípios iniciais, expandiu-se para 30 municípios catarinenses. Esta proposta de Desenvolvimento Territorial embasada em Turismo Sustentável de Base Comunitária foi reconhecida por diversos prêmios: Destaque do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2002), Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM/ONU – 2005), Destaque em Turismo Rural IPEC (2006) e Projeto Generosidade da Editora Globo (2008). Em 2007, a Acolhida na Colônia foi destacada como Referência Nacional em Turismo Rural, no âmbito do Projeto Destinos Indutores (MTur), de acordo com os princípios e estratégias do Programa de Regionalização do Turismo.

No âmbito do seu crescimento foi natural a demanda por maior fluxo de visitantes nas pousadas, sem abrir mão da proposta de sustentabilidade engajada em suas ações. É neste contexto que o Cicloturismo ganhou espaço nas metas da Associação. O plano geral – viabilizado graças ao apoio do Ministério do Turismo, Ministério do  Desenvolvimento Agrário e do Governo do Estado de Santa Catarina – foi composto por roteirização dos territórios, elaboração de mapas para viagens autoguiadas, capacitação da juventude local para operações e tours de familiarização (FamTours) com agências especializadas e grupos de cicloturistas.

Famtour para 20 convidados inaugura o Circuito

A capacitação para os jovens, com carga horária de 200 horas, e realizada de modo itinerante para atender vários municípios, foi concluída em outubro. Já a primeira etapa do Circuito de Cicloturismo Acolhida na Colônia, com os roteiros de Anitápolis e Santa Rosa de Lima, foi oficialmente apresentada ao público em um FamTour realizado no  fim de semana de 19 a 22/11. Os 20 convidados representavam empresas de turismo de aventura, turismo de base comunitária e cicloturismo, grupos e associações de cicloturismo e cicloativismo, técnicos de roteirização e mídia especializada.

A viagem, operada pela Caminhos do Sertão – tendo como um dos guias o jovem Jeferson Schuller,  formado na capacitação – teve início nas pousadas Pásargada e Recanto das Cachoeiras (Anitápolis), onde os convidados pernoitaram no primeiro dia. Ambas, ocupando colinas em meio a vales estreitos e avivados por densa Mata Atlântica, foram as primeiras amostras das belezas que viriam pela frente.

Se a natureza ali é pródiga, estão na mesma medida a força dos laços sociais e o desenho dos cultivos agroecológicos na paisagem. Pedalando ao longo do Rio Povoamento, no primeiro dia do FamTour, topamos com figuras como o Sr. Otto Schuller e sua família. Diante deles, uma farta plantação de morangos, quase uma fantasia. Grandes, bonitos e sem uma gota de veneno. É só combinar um valor com o seu Otto e entregar-se às delícias, ali mesmo!

Mais adiante outro Schuller, o sr. Hélio, nos aguarda com um farto café com sucos, bolos, rosquinhas e bolinho de batata. Ele é o guardião da Cachoeira do Rio da Prata. Da sua casa, no final do caminho, caminha-se 500 metros por uma colina gramada até a caudalosa cascata.

O roteiro de conexão

De tarde fizemos outra “perna” do Circuito, desta vez a rota de conexão entre Anitápolis e Santa Rosa de Lima. O ponto de parada do caminho é o Sítio da Flora. É o nome da dona, e muito pertinente: com todo zelo ela mantém um colorido orquidário, e sua horta com verduras e algumas iguarias, como o physalis, é toda entremeada por jardins. O mini-museu com bicicletas e máquinas do Simão, marido dela, completa os atrativos. Tudo isso, sem dúvida, guarnecido por quitutes “da vovó” e uma calorosa acolhida.

A fartura no roteiro foi bastante comentada pelos participantes. Podem sossegar os defensores da boa-forma:  há bastante sobe-e-desce para equilibrar as calorias! Sinônimo de bem estar no meio rural, comida abundante é a expressão maior desta agricultura que, ao invés de plantar fumo, que infelizmente ainda é bem recorrente na região, abençoa a mãe terra com alimentos de qualidade.

O final do dia foi na Pousada Vitória, da Dida, uma das pioneiras da Acolhida. Ela tem o maior orgulho de apresentar suas caixas de melipônias, as abelhas sem ferrão, convidando os visitantes a provarem o néctar com canudinho de bambu, direto no favo. Também orgulha-se a dizer que do peixe ao frango, e das verduras às hortaliças servidas no jantar, é tudo produzido ali.

Relax em piscina termal

No dia seguinte a pedalada iniciou com descida forte, e logo atravessamos o centro de Santa Rosa de Lima. Entramos pelo roteiro do Rio Bravo Alto, um dos 5 da primeira etapa do Circuito Acolhida na Colônia. O suor da primeira subida foi aplacado com suco de limão geladinho, servido pela dona Salete no Sítio Cristine. Ali, mais uma experiência da biodiversidade: na horta, um arbusto que passaria despercebido é na verdade um pé de mini-melões, do tamanho de peras, deliciosos e suculentos.

O ponto alto do dia foi o Balneário Paraíso das Águas. No clímax, o relax: a piscina servida por uma torrente de água termal foi usufruída por todos. Ali, no restaurante com um janelão de cara pra uma bela cachoeirinha na mata, fizemos também nosso almoço.

De noite, na Pousada Doce Encanto do Valnério Assing, que ilustra a abertura deste texto, houve a apresentação oficial do Circuito. Acolhida na Colônia, Cooperativa Caipora e Caminhos do Sertão conduziram as falas, que depois foram abertas ao público.

De maneira geral, a conciliação de cicloturismo com a proposta de sustentabilidade no campo foi bem avaliada por todos. Houve depoimentos emocionados, e um clima de que as expectativas iniciais foram surpreendentemente superadas. O primeiro Circuito de Cicloturismo do Brasil integrado ao turismo rural tem tudo pra dar certo.

Os cicloturistas tem mapas, tracks de GPS e mais informações à disposição em: http://acolhida.com.br/cicloturismo/

Veja alguns comentários dos participantes:

“Superou a expectativa. Agregou muita emoção em virtude do relacionamento humano de qualidade com pessoas de outros meios fora do ciclismo e uma dose cavalar de conscientização a respeito de questões da sustentabilidade, cooperativismo, produção orgânica, produção diversificada, conservação da terra e seus recursos naturais, sustentabilidade econômica que extrapola a área familiar e beneficia o município e o Estado, educação, cidadania, ecologia etc”. Otoni Gali Rosa – Olavo Bikers / Sampa Bikers / Pedal do Vila / Night Bikers

“Foi além de minhas expectativas, sem dúvida. Para a Aoka é muito importante ter a experiência de se envolver com a realidade local das comunidades. E este roteiro tem muito disso. A Acolhida e seus parceiros têm feito um trabalho muito rico junto a esses grupos de agricultores locais, evitando o êxodo rural e enaltecendo a cultura e costumes locais. Nós da Aoka acreditamos que esse é o futuro do turismo no Brasil, buscando a integração entre diferenças e intercâmbio de aprendizado entre pessoas da cidade e do campo”. Ude Lottfi, Aoka Turismo Experiencial

” Acima das expectativas. Esperava um simples roteiro de cicloturismo. Conheci um trabalho de várias entidades e muito profissional, resultando numa experiência incrível”. Rodrigo Taddei, Bike Expedition Viagens

“Vocês superaram minhas expectativas:  equipe Caminhos do Sertão bem preparada, alimentação excelente e o belíssimo trabalho do Circuito Acolhida na Colônia. Aprendi muito nesse famtour e pretendo utilizar esse exemplo de integração de vários “atores do processo” nas nossas operações”. Cinthia Marie Ota, Praia Secreta – Rafting e Expedições

“Isto é o que turistas que sabem o que querem procuram para fugir da pasteurização dos roteiros empacotados com cara de shopping. Falta um pouco de divulgação. Estamos pensando na possibilidade de promovermos em conjunto o encontro nacional em 2011 para promovermos de forma integrada os roteiros de cicloturismo catarinenses”. Carlos Beppler, presidente da Associação de Ciclismo de Balneário Camboríu e Camboriú