Quando as Cataratas engolem o rio: os tesouros de Iguassu e Tríplice Fronteira

por Fernando Angeoletto – fernando@caminhosdosertao.com.br

Avançando Sertão adentro a partir do litoral catarinense, em pleno verão de 1541 e liderando 24 cavaleiros, 50 arcabuzeiros, 50 espadachins, 100 arqueiros e centenas de índios guaranis, tinha o adelantado Álvar Nuñez Cabeza de Vaca a real missão de assumir seu posto na capital Assunção, exercendo desta forma o poder sobre um vastíssimo território que se esparramava desde os chacos paraguaios até a boca do Rio da Prata. Não desconhecia o nobre expedicionário, no entanto, todo o Eldorado de ouro e prata que existia para além dos contrafortes andinos, o que seguramente foi um dos maiores estímulos para assumir tamanha empreitada por terra.

Após galgar a Serra do Mar, cruzar rios imponentes como o Piquiri, o Ivaí e o Tibagi, e algumas vezes topar com as curvas do rio Iguaçu, corria o ano de 1542 quando Cabeza de Vaca descreveu este que foi o primeiro registro de um dos mais fantásticos acidentes geográficos do Planeta.

“Ao descer o Rio chamado Iguaçu, a correnteza era tão grande que os rios corriam com muita fúria; por causa disto, muito próximo de onde se embarcou, o rio dava um salto por um despenhadeiro altíssimo e a queda d’água tinha um baque tão forte que de longe se ouvia; como a espuma caía com muita força, espirrava e subia alto.”

Passados quase 5 séculos, as Cataratas do Iguaçu e suas 275 quedas d’água transformaram-se um respeitável ícone do turismo. É o segundo local mais visitado por estrangeiros no Brasil, e somente em 2015 o baque forte de suas águas foi escutado de perto por 1,5 milhão de visitantes – um tesouro para fazer frente ao Eldorado almejado por Cabeza de Vaca, em todos os sentidos.

 

Se o foco deste milhão e meio de pessoas recai somente sobre as famosas cachoeiras, talvez seja por desconhecer que toda a região da Tríplice Fronteira, um mosaico onde encontram-se Argentina, Brasil, Paraguai, entrecortados pelos rios Iguaçu e Paraná, são igualmente pródigas em atrativos e fazem por merecer uma estadia mais alongada na descoberta da região.

A este roteiro de pedaladas em formato de anéis fronteiriços demos o nome de Iguassu – grafia mais aproximada da etnia Guarani, os verdadeiros donos da região desde quando guiaram o descobridor das Cataratas e ainda mais remotamente. Quanto à pronúncia, é a mesma de Iguazu, nome do parque nacional do lado argentino, e Iguaçu, no lado brasileiro.

Nosso giro começa em La Aripuca, na simpática cidadezinha de Puerto Iguazu. Neste pequeno empreendimento ecoturístico na selva missioneira, a tradição indígena ecoa nos cantos e danças, no artesanato e nas edificações, especialmente esta erguida sobre portentosos troncos brutos de madeira entrelaçados, formando uma enorme “arapuca” – um peculiar artefato para captura de aves e pequenos animais, muito utilizado pelos guaranis.

Dali seguimos em imersão pelos caminhos e trilhas pela Selva, em ambiente que mistura a imponência da Mata Tropical, a mesma desde o périplo das Missões jesuíticas, com o tom moderno dos diversos resorts de floresta. Neste vai e vem divertido sobre o chão vermelho de terra batida, topamos com a margem do Iguaçu e duas surpresas: a primeira, uma nítida pegada de onça fincada no barro. A segunda é a sinestesia dos baques e espirros d’água, como descritos pelo adelantado –  estamos bem próximos à cabeceira das Cataratas.

É hora então de rumar os guidões para a sede do Parque Nacional del Iguazu, para conferir  o panorama argentino deste gigante de águas. O céu é claro, o fim de tarde se aproxima e é nesta feição de luzes que seguimos de passarela em passarela admirando as paisagens: uma sucessão de arco-íris emoldurando cachoeiras, visão onírica da terra engolindo água, muita água, beleza que não se explica.

A missão do segundo dia é circular no mapa a Tríplice Fronteira. Começamos o anel em Foz do Iguaçu, no rumo da Ponte da Amizade e da caótica sensação de mergulhar num aglomerado asiático: estamos em Cidade de Leste, a meca dos muambeiros de todo o país. Pedalar por ali é também testemunhar esta injusta fama de ser apenas um epicentro da venda de eletrônicos e quinquilharias: logo atrás do burburinho, uma agradável cidade com praças, quadras arborizadas e lagos apresenta-se aos cicloviajantes. É neste cenário que vamos nos aproximando do Salto do Monday, uma caudalosa e bela queda d’água neste afluente do rio Paraná, ofuscada pela fama das monumentais Cataratas. Com sua vista em frente, e mesas em pleno Bosque, fizemos um belo lanche, repondo as pilhas para a etapa seguinte.

A chegada na Argentina é feita numa pequena balsa, cruzando o Paraná bem no ponto onde desemboca o Iguaçu, tão calmo que impossível ter ideia que a poucos quilômetros dali, rio acima, há um colossal turbilhão de águas rasgando a paisagem. No fim de tarde em Puerto Iguazu contemplamos a vivacidade de uma pracinha iluminada, repleta de crianças pedalando e famílias bebericando um mate. A poucas quadras ali, uma feira de rua, repleta de bancas de iguarias (os inigualáveis vinhos, azeitonas, queijos, embutidos e alfajores dos Hermanos), complementa o agradável astral desta cidadezinha.

Reservado para o percurso pelo Parque Nacional do lado brasileiro, o último dia não foi dos mais simpáticos. Uma grossa chuva avançou pela manhã – surpresa típica de uma floresta tropical. O jeito foi tocar de van até a sede do Parque, para caminhadas e o imperdível macuco Safari. Em um enorme bote de fibra, impelido por 2 robustos motores de popa, subimos surfando as corredeiras do Rio Iguaçu até um panorama onde se avista boa parte das centenas de quedas. Não obstante o fato de já estarmos molhados, o brinde é tomar, literalmente, banho de cachoeira: o barco passa várias vezes debaixo de uma, com emoção. De longe, avistamos a Garganta do Diabo, a maior delas, aquela que provavelmente desenhou os baques e espirros que o nosso célebre Cabeza de Vaca testemunhou pela primeira vez em 1542.

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